O JOGO
Entrevista a JoãoTomás
"Ainda posso jogar mais cinco anos"
João Tomás é o segundo melhor marcador da Liga ZON Sagres e o melhor português. Apontar sete dos 11 golos de uma equipa modesta como a do Rio Ave, que luta para não descer, é um feito que não está ao alcance de qualquer um.
Qual é o segredo para estar num grande momento de forma aos 35 anos?
É sorte da genética [risos]. É importante levarmos uma vida tranquila durante os anos em que pensamos que podemos fazer tudo e mais alguma coisa. De resto, é disponibilidade para trabalhar, e é isso que tenho feito toda a minha vida. Ainda na edição de terça-feira de O JOGO, Vítor Oliveira, o meu primeiro treinador profissional, na Académica, referia que eu tinha uma enorme capacidade de trabalho. Significa que percebeu bem, quando eu tinha 20 anos, que estava ali um miúdo disponível para trabalhar e tentar chegar longe. E, felizmente, consegui alcançar muitas coisas.
Quando é que entendeu que não podia fazer "tudo e mais alguma coisa"?
Naquele período dos 15, 18 ou 20 anos. A vida de um profissional de futebol é feita de muitos sacrifícios, tem que se abdicar de muita coisa.
Abdicar de quê, por exemplo?
De ir a uma festa, de estar com este ou com aquele porque são horas de descansar, de ir aqui ou ali por ser preciso deitar cedo, abdicar de comer uma grande refeição porque tem de ser uma comida decente para não nos intoxicarmos e deixar essas coisas para as férias. É isso que faço: aproveito as férias para comer e beber o que raramente como e bebo durante o ano, para perder as noites que nunca perco durante o ano. Há um conjunto de situações importantíssimas para que haja longevidade, não direi sucesso, porque sucesso está associado a muita coisa.
E o sucesso do João Tomás deve-se a quê? Talento, também?
Reconheço que havia algum talento, mas tive que dar muito à perna.
Acha que podia ter ido mais além num percurso em que representou um grande durante dois anos?
O ponto alto da minha carreira foi ter jogado no Benfica. A única situação delicada foi em Sevilha. Podia ter feito mais no Bétis e na Liga espanhola, mas tive a infelicidade de me magoar; no segundo ano praticamente não joguei.
Qual é o objectivo para esta época?
Não me magoar. Esse é o inimigo número um que temos na nossa profissão. O que desejo para mim desejo para os meus colegas, que não haja lesões, que não apareçam situações graves e que possamos estar todos disponíveis. Em termos de objectivos, é tudo muito subjectivo, não é algo que me perturbe ou que me tire o sono, bem pelo contrário; encaro os jogos todos com a mesma importância e espero ter oportunidades para marcar e um bocadinho de sorte.
A arte de marcar foi trabalhada, nasceu naturalmente ou tinha alguma referência em que se inspirou?
Sempre tive como referência o grande Van Basten. Para fazer o que ele fazia é preciso ter muito mais do que tenho. O importante, ao longo destes anos, foi ter-me dedicado muito à minha profissão. Com esta dedicação, as coisas foram aparecendo.
Em 11 jogos, sete golos no Rio Ave não é para qualquer um ou é normal?
[risos] E podia ter mais! Temos de nos adaptar ao que temos e tirar proveito das situações que aparecem. Umas vezes marcamos, outras não...
Ainda não pensa no final da carreira?
Penso, porque sei que está mais próximo. Quando é que vou acabar, não sei. Pode ser mais um ano, mais dois, mais cinco [risos]. São exemplos como os de Inzaghi [37 anos] que temos de seguir. Teve a infelicidade de ter um problema grave no joelho, mas veio dizer que não era o fim e que iria voltar a jogar. São estes exemplos que temos de seguir. A ideia é jogar até quando nos sentirmos bem e que as pessoas olhem para nós de uma forma séria e pensem que somos úteis.
E o que vai fazer quando decidir deixar de jogar?
Ainda não sei, nem sei se vou continuar ligado ao futebol. Para já, vou tirar o I Nível de treinador.
"Há dez anos já se notava que Mourinho era diferente"
No Benfica também podia ter feito algo mais? Como foi a passagem por um grande?
Foi óptima! Para um jovem de 24 anos que chega ao Benfica, vindo de um cenário completamente diferente, foi uma época de sucesso a nível individual. Nessa época, a segunda, com Heynckes, Mourinho e Toni, fiz 17 golos. Colectivamente é que não correu bem, pois ficámos em sexto lugar.
José Mourinho já se destacava?
Notava-se que era um treinador diferente. Pela maneira como lidava com os jogadores, como falava e como treinava.
Com José Mourinho trabalhou pouco tempo. Qual o treinador que mais o marcou?
Foram vários, felizmente, mas admito que quem mais rendimento tirou das minhas capacidades foi Jesualdo Ferreira, porque trabalhou comigo dois anos seguidos. No ano passado, aqui, no Rio Ave, estava a ser uma época muito boa, mas saí em Janeiro e não deu para mostrar muito, apesar de estar a dar continuidade, com o Carlos Brito, ao que estava a fazer de bom. Mas no maior espaço de tempo, quem conseguiu tirar mais rendimento das minhas capacidades foi Jesualdo Ferreira, porque foram dois anos com mais de 30 golos.
Há quem defenda que depois de goleadores portugueses como Fernando Gomes e Rui Águas não houve mais ninguém assim, exceptuando o João Tomás. Concorda com esta leitura?
É uma comparação que nunca me tinham feito e nunca me tinha chegado aos ouvidos. É um motivo de grande orgulho ser comparado a duas lendas como esses dois grandes jogadores.
Como dizia Fernando Gomes, quando marca um golo "é melhor do que sentir um orgasmo"?
[risos] Não ponho as coisas tão radicais. Já marquei golos que foram tristes. Felizmente, não foram muitos, mas lembro-me de um em especial: há dois anos, na Liga de Honra, quando jogava no Boavista, fiz o 2-1 no Estoril. Como vi o quinto amarelo, não pude fazer o último jogo.
"Os mais novos não gostam de ouvir e os pais são piores"
João Tomás tem duas filhas, uma de oito e outra de cinco anos. Uma das coisas com que mais se preocupa é precisamente a educação. É por isso natural que tenha uma mensagem especial dirigida aos jogadores mais novos. "O que é importantes para eles é ouvirem, o que é difícil actualmente. Os mais novos não gostam de ouvir. Isso é preocupante: tentar passar uma mensagem, e os jovens não estarem ali para ouvir. Acredito que haja muita qualidade, assim as gerações mais novas saibam que é preciso muito sacrifício para se atingir determinadas metas. E também tenho a certeza de que grande parte dos problemas da juventude de agora tem a ver com os pais. Vamos ver jogos das camadas jovens, e os pais que ficam na bancada a ver o jogo são piores do que os filhos. E é muito difícil contornar quando se sai de casa sem educação."
"O seleccionador falar de mim já me motiva"
Aos 35 anos, ainda tem a ambição de voltar a jogar na Selecção Nacional?
É uma ambição natural, porque está tudo a correr bem. Depois de o Paulo Bento dizer que a idade não era problema e que estava inserido num grupo de jogadores que podia ser chamado, resta-me continuar assim. Se tiver de ir, vou; se não for, fico feliz na mesma porque temos boas soluções.
No Europeu de 2012, já terá 37 anos. Não será isso um óbice?
Não posso prever as coisas a tão longo prazo. Chegando à idade que tenho, importa viver o presente, porque o fim da carreira pode estar a vários meses, a um ano ou dois, mas está mais próximo. Mas fico orgulhoso por me voltarem a perguntar quanto a essa possibilidade. É um motivo de orgulho o seleccionador disponibilizar um ou dois segundos da sua conferência de Imprensa para falar de mim. É algo muito importante e que me motiva.
MELO ROSA
Entrevista a JoãoTomás
"Ainda posso jogar mais cinco anos"
João Tomás é o segundo melhor marcador da Liga ZON Sagres e o melhor português. Apontar sete dos 11 golos de uma equipa modesta como a do Rio Ave, que luta para não descer, é um feito que não está ao alcance de qualquer um.
Qual é o segredo para estar num grande momento de forma aos 35 anos?
É sorte da genética [risos]. É importante levarmos uma vida tranquila durante os anos em que pensamos que podemos fazer tudo e mais alguma coisa. De resto, é disponibilidade para trabalhar, e é isso que tenho feito toda a minha vida. Ainda na edição de terça-feira de O JOGO, Vítor Oliveira, o meu primeiro treinador profissional, na Académica, referia que eu tinha uma enorme capacidade de trabalho. Significa que percebeu bem, quando eu tinha 20 anos, que estava ali um miúdo disponível para trabalhar e tentar chegar longe. E, felizmente, consegui alcançar muitas coisas.
Quando é que entendeu que não podia fazer "tudo e mais alguma coisa"?
Naquele período dos 15, 18 ou 20 anos. A vida de um profissional de futebol é feita de muitos sacrifícios, tem que se abdicar de muita coisa.
Abdicar de quê, por exemplo?
De ir a uma festa, de estar com este ou com aquele porque são horas de descansar, de ir aqui ou ali por ser preciso deitar cedo, abdicar de comer uma grande refeição porque tem de ser uma comida decente para não nos intoxicarmos e deixar essas coisas para as férias. É isso que faço: aproveito as férias para comer e beber o que raramente como e bebo durante o ano, para perder as noites que nunca perco durante o ano. Há um conjunto de situações importantíssimas para que haja longevidade, não direi sucesso, porque sucesso está associado a muita coisa.
E o sucesso do João Tomás deve-se a quê? Talento, também?
Reconheço que havia algum talento, mas tive que dar muito à perna.
Acha que podia ter ido mais além num percurso em que representou um grande durante dois anos?
O ponto alto da minha carreira foi ter jogado no Benfica. A única situação delicada foi em Sevilha. Podia ter feito mais no Bétis e na Liga espanhola, mas tive a infelicidade de me magoar; no segundo ano praticamente não joguei.
Qual é o objectivo para esta época?
Não me magoar. Esse é o inimigo número um que temos na nossa profissão. O que desejo para mim desejo para os meus colegas, que não haja lesões, que não apareçam situações graves e que possamos estar todos disponíveis. Em termos de objectivos, é tudo muito subjectivo, não é algo que me perturbe ou que me tire o sono, bem pelo contrário; encaro os jogos todos com a mesma importância e espero ter oportunidades para marcar e um bocadinho de sorte.
A arte de marcar foi trabalhada, nasceu naturalmente ou tinha alguma referência em que se inspirou?
Sempre tive como referência o grande Van Basten. Para fazer o que ele fazia é preciso ter muito mais do que tenho. O importante, ao longo destes anos, foi ter-me dedicado muito à minha profissão. Com esta dedicação, as coisas foram aparecendo.
Em 11 jogos, sete golos no Rio Ave não é para qualquer um ou é normal?
[risos] E podia ter mais! Temos de nos adaptar ao que temos e tirar proveito das situações que aparecem. Umas vezes marcamos, outras não...
Ainda não pensa no final da carreira?
Penso, porque sei que está mais próximo. Quando é que vou acabar, não sei. Pode ser mais um ano, mais dois, mais cinco [risos]. São exemplos como os de Inzaghi [37 anos] que temos de seguir. Teve a infelicidade de ter um problema grave no joelho, mas veio dizer que não era o fim e que iria voltar a jogar. São estes exemplos que temos de seguir. A ideia é jogar até quando nos sentirmos bem e que as pessoas olhem para nós de uma forma séria e pensem que somos úteis.
E o que vai fazer quando decidir deixar de jogar?
Ainda não sei, nem sei se vou continuar ligado ao futebol. Para já, vou tirar o I Nível de treinador.
"Há dez anos já se notava que Mourinho era diferente"
No Benfica também podia ter feito algo mais? Como foi a passagem por um grande?
Foi óptima! Para um jovem de 24 anos que chega ao Benfica, vindo de um cenário completamente diferente, foi uma época de sucesso a nível individual. Nessa época, a segunda, com Heynckes, Mourinho e Toni, fiz 17 golos. Colectivamente é que não correu bem, pois ficámos em sexto lugar.
José Mourinho já se destacava?
Notava-se que era um treinador diferente. Pela maneira como lidava com os jogadores, como falava e como treinava.
Com José Mourinho trabalhou pouco tempo. Qual o treinador que mais o marcou?
Foram vários, felizmente, mas admito que quem mais rendimento tirou das minhas capacidades foi Jesualdo Ferreira, porque trabalhou comigo dois anos seguidos. No ano passado, aqui, no Rio Ave, estava a ser uma época muito boa, mas saí em Janeiro e não deu para mostrar muito, apesar de estar a dar continuidade, com o Carlos Brito, ao que estava a fazer de bom. Mas no maior espaço de tempo, quem conseguiu tirar mais rendimento das minhas capacidades foi Jesualdo Ferreira, porque foram dois anos com mais de 30 golos.
Há quem defenda que depois de goleadores portugueses como Fernando Gomes e Rui Águas não houve mais ninguém assim, exceptuando o João Tomás. Concorda com esta leitura?
É uma comparação que nunca me tinham feito e nunca me tinha chegado aos ouvidos. É um motivo de grande orgulho ser comparado a duas lendas como esses dois grandes jogadores.
Como dizia Fernando Gomes, quando marca um golo "é melhor do que sentir um orgasmo"?
[risos] Não ponho as coisas tão radicais. Já marquei golos que foram tristes. Felizmente, não foram muitos, mas lembro-me de um em especial: há dois anos, na Liga de Honra, quando jogava no Boavista, fiz o 2-1 no Estoril. Como vi o quinto amarelo, não pude fazer o último jogo.
"Os mais novos não gostam de ouvir e os pais são piores"
João Tomás tem duas filhas, uma de oito e outra de cinco anos. Uma das coisas com que mais se preocupa é precisamente a educação. É por isso natural que tenha uma mensagem especial dirigida aos jogadores mais novos. "O que é importantes para eles é ouvirem, o que é difícil actualmente. Os mais novos não gostam de ouvir. Isso é preocupante: tentar passar uma mensagem, e os jovens não estarem ali para ouvir. Acredito que haja muita qualidade, assim as gerações mais novas saibam que é preciso muito sacrifício para se atingir determinadas metas. E também tenho a certeza de que grande parte dos problemas da juventude de agora tem a ver com os pais. Vamos ver jogos das camadas jovens, e os pais que ficam na bancada a ver o jogo são piores do que os filhos. E é muito difícil contornar quando se sai de casa sem educação."
"O seleccionador falar de mim já me motiva"
Aos 35 anos, ainda tem a ambição de voltar a jogar na Selecção Nacional?
É uma ambição natural, porque está tudo a correr bem. Depois de o Paulo Bento dizer que a idade não era problema e que estava inserido num grupo de jogadores que podia ser chamado, resta-me continuar assim. Se tiver de ir, vou; se não for, fico feliz na mesma porque temos boas soluções.
No Europeu de 2012, já terá 37 anos. Não será isso um óbice?
Não posso prever as coisas a tão longo prazo. Chegando à idade que tenho, importa viver o presente, porque o fim da carreira pode estar a vários meses, a um ano ou dois, mas está mais próximo. Mas fico orgulhoso por me voltarem a perguntar quanto a essa possibilidade. É um motivo de orgulho o seleccionador disponibilizar um ou dois segundos da sua conferência de Imprensa para falar de mim. É algo muito importante e que me motiva.
MELO ROSA
Sem comentários:
Enviar um comentário